Influenza – A incerteza de uma futura pandemia
Surtos epidêmicos de influenza de gravidade variável são registrados mundialmente e têm ocorrido de maneira sistemática a cada 1 a 3 anos, predominantemente no inverno. Se por um lado a influenza sazonal é considerada uma doença comum entre a população, por outro lado existe uma grande apreensão quanto ao surgimento de uma nova pandemia. As pessoas estão familiarizadas com influenza de forma quase que permanente. Apesar disso, quando ocorre de modo epidêmico, ressurge o temor da doença, como observado na histórica gripe espanhola (1918 a 1920) que levou a morte cerca de 30 milhões de pessoas. Podemos também citar outras pandemias que causaram a morte de milhares de indivíduos como a gripe asiática (1957 a 1958), gripe russa (1977 a 1978), gripe aviária (2003 a 2004) e a pandemia de 2009.
A doença é considerada antiga e o nome “influenza” tem origem italiana em decorrência de costumes antigos de se atribuir fenômenos físicos à influência astrológica ou pela influenza del freddo ou “influência do frio” na vigência de uma epidemia.
Transmissão
A influenza ou gripe é considerada a infecção que mais causou doenças e mortes até a atualidade. É uma doença aguda do sistema respiratório, causada pelo vírus Influenza, tendo alta capacidade de transmissão e distribuição global. A transmissão do vírus Influenza entre humanos ocorre pela via respiratória por meio de secreções como aerossóis, gotículas ou por contato direto da mucosa ou com objetos contaminados recentemente com secreções nasofaríngeas. O vírus Influenza, de característica zoonótica, afeta muitas espécies de aves e mamíferos. Algumas vezes, a transmissão ultrapassa as barreiras entre as diferentes espécies e pode criar um cenário promissor para geração de uma cepa com potencial pandêmico. A cada ano, a influenza é causa significativa de doença e óbitos humanos e produz importante impacto na saúde e na produção animal. É uma contínua ameaça à saúde pública humana e veterinária.
Manifestações Clínicas
Os sinais e sintomas da doença aparecem após período de incubação de um a três dias e podem variar conforme a idade e as condições clínicas. A maioria das pessoas com infecção sintomática de influenza pode ter a doença sem complicações, com início súbito de febre, tosse, dor de cabeça, dor de garganta, coriza, congestão nasal e dores musculares que se resolvem entre três e cinco dias, embora a tosse e fadiga possam persistir por mais tempo. Crianças com gripe podem apresentar diarreia e dor abdominal, somados aos sintomas respiratórios. A faixa etária tem grande influência sobre o risco individual de influenza, com incidência maior nos jovens e letalidade mais expressiva nos idosos e em indivíduos que possuem condições clínicas, ou comorbidades (infecção bacteriana, miocardite, pericardite, bronquiolite e encefalite), que possam colocá-los em risco para complicações da influenza.
Tipos e subtipos
Existem três tipos de vírus influenza – Myxovirus influenzae – que circulam no Brasil: A, B e C. O vírus influenza A e B são responsáveis por epidemias sazonais, sendo o vírus influenza A responsável pelas grandes pandemias. O tipo C causa apenas infecções respiratórias brandas, não possui impacto na saúde pública e não está relacionado com epidemias. Habitualmente, em cada ano, circula mais de um tipo de influenza concomitantemente.
Tipo A – são encontrados em várias espécies de animais, além dos seres humanos, como suínos, cavalos, mamíferos marinhos e aves. As aves migratórias desempenham importante papel na disseminação natural da doença entre distintos pontos do globo terrestre.
Eles são ainda classificados em subtipos de acordo com as combinações de 2 proteínas diferentes, a Hemaglutinina (HA ou H) e a Neuraminidase (NA ou N).
Dentre os subtipos de vírus influenza A, atualmente os subtipos A(H1N1)pdm09 e A(H3N2) circulam de maneira sazonal e infectam humanos.
Alguns vírus influenza A de origem animal também podem infectar humanos causando doença grave, como os vírus A(H5N1), A(H7N9), A(H10N8), A(H3N2v), A(H1N2v) e outros.
O vírus influenza A (H7N9) é um subtipo de vírus influenza A de origem aviária.
Tipo B – infectam exclusivamente os seres humanos. Os vírus circulantes B podem ser divididos em 2 grupos principais (as linhagens), denominados linhagens B/ Yamagata e B/ Victoria. Os vírus da gripe B não são classificados em subtipos.
Tipo C – infectam humanos e suínos. É detectado com muito menos frequência e geralmente causa infecções leves, portanto apresenta implicações menos significativas de saúde pública.
Dentre as amostras positivas para influenza obtidas no período de 30/12/2018 a 03/08/2019 levantadas pela vigilância da influenza do Brasil, 48,3% foram decorrentes de influenza A(H1N1)pdm09, 25,8% de influenza B, 4,5% de influenza A não subtipado e 21,4% de influenza A(H3N2). Neste mesmo período, foram notificados 3.046 óbitos por Síndrome Respiratória Aguda, sendo 26,1% causados pelo vírus influenza:
- 64,4% decorrentes de influenza A(H1N1)pdm09,
- 20,2% (179/888) influenza A não subtipado,
- 6,0% (53/888) por influenza B e
- 9,5% (84/888) influenza A(H3N2)
Prevenção
A vacina é considerada uma das medidas mais eficazes para evitar casos graves e óbitos por gripe. Vacinas trivalentes atuais contêm obrigatoriamente três tipos de cepas de vírus influenza em combinação: A/Michigan/45/2015 (H1N1)pdm09, A/Switzerland/8060/2017 (H3N2) e B/Colorado/06/2017 (linhagem B/Victoria/2/87). A composição da vacina é recomendada anualmente pela Organização Mundial da Saúde (OMS) com base nas informações recebidas de todo o mundo sobre a prevalência das cepas circulantes. Dessa forma, é importante que as pessoas se vacinem a cada ano, pois a vacina da gripe é modificada para proteger contra os tipos mais comuns de vírus da gripe naquela época.
Medidas preventivas, além da vacinação, são importantes para evitar a gripe e sua transmissão, como: higienizar as mãos com água e sabão ou com álcool gel, principalmente depois de tossir ou espirrar; depois de usar o banheiro, antes de comer, antes e depois de tocar os olhos, a boca e o nariz; evitar tocar os olhos, nariz ou boca após contato com superfícies potencialmente contaminadas (corrimãos, bancos, maçanetas etc.). Manter hábitos saudáveis, como alimentação balanceada, ingestão de líquidos e atividade física.
Diagnóstico
Exames laboratoriais podem ser importantes ferramentas no auxílio diagnóstico para os casos suspeitos de infecção por vírus respiratórios. Podemos citar o teste rápido para Influenza A, B e A (H1N1) para detecção diferencial e qualitativa dos vírus Influenza A, B e A (H1N1) e o painel molecular baseado em PCR em tempo real que possibilita detectar e identificar diferentes patógenos respiratórios (adenovírus, coronavírus 229E, coronavírus HKU1, coronavírus NL63, coronavírus OC43, metapneumovírus, influenza A subtipo H1, H3 e H1-2009, influenza B, parainfluenza 1, 2, 3 e 4, rinovírus/enterovírus, vírus respiratório sincicial). De maneira geral, a amostra preferencial para o diagnóstico é a secreção da nasofaringe, colhido principalmente nos primeiros três dias do aparecimento dos sinais e sintomas.
Mutação
Os vírus da Influenza são os únicos entre os vírus respiratórios com imensa capacidade de mutação, criando novos vírus com material genético diferente do que lhe deu a origem. As mutações antigênicas podem ser divididas em pequenas (drift) ou maiores (shift). As pequenas mutações geram novos sorotipos (cepas) em relação a uma temporada sazonal para a outra e pode resultar em epidemia devido a essa nova cepa. Por isso, é necessária uma nova composição da vacina anual, pois os anticorpos formados contra as cepas anteriores podem não responder adequadamente contra as cepas novas do vírus. Já nas mutações maiores, há trocas de moléculas na Hemaglutinina (HA) e a Neuraminidase (NA) e ocorre somente com o vírus Influenza A. Esse fenômeno ocorre em menor frequência e, em aproximadamente, 40 anos. Quando ocorre esse novo subtipo, a chance de uma pandemia é grande, em virtude de não termos ainda imunidade.
A influenza ou gripe é considerada a infecção que mais causou doenças e mortes até a atualidade. O comportamento da influenza é imprevisível e não há como saber exatamente qual o momento em que ela se dissemina, qual a gravidade e qual a duração da estação que pode variar de um ano para o outro, mesmo dentro de regiões de um mesmo país. O cenário de uma epidemia dependerá, entre outros aspectos, das medidas de prevenção e controle. O impacto das epidemias de Influenza é reflexo da interação entre a variação antigênica viral, o nível de proteção da população para as cepas circulantes e o grau de virulência dos vírus.
Muito se evoluiu em relação à influenza ao longo dos anos, como: novas técnicas para diagnóstico, maior conhecimento das características virais, ferramentas epidemiológicas ágeis para estudo da distribuição da doença e suas tendências, além da importância da doença no cenário econômico, político e social. Mesmo com o acompanhamento hoje realizado em tempo real, ainda é preciso reforçar aspectos referentes à qualidade da coleta de dados, sua consolidação e divulgação da informação para a população e servidores da saúde.